terça-feira, 16 de outubro de 2012

OS DESAFIOS DO SUS


A especialista em Saúde Pública e premiada ex-secretária municipal de saúde de Betim (MG) Conceição Rezende fala ao Portal do Cebes sobre os principais desafios do SUS e dos novos gestores municipais de saúde. "Acompanhamos a implantação do SUS no Brasil e sabemos o quanto avançamos, mas precisamos caminhar muito mais", afirma. 

Portal Cebes: Desde a criação do SUS, em 1988, pautado na possibilidade de elevar a saúde à condição de direito social, universal e garantido pelo Estado, cenários complexos e conflitos de interesses se instalaram, impedindo avanços necessários para sua implantação nos moldes da Constituição Federal. Quais seriam os mais graves deles, na sua percepção?
Conceição Rezende: Em minha opinião, um dos principais fatores que dificultam a implantação do SUS no Brasil é o desconhecimento e a incompreensão que vigora, em todas as classes sociais, sobre o que seja saúde, saúde pública, direito à saúde e o porquê da saúde ser um direito humano fundamental. 

É público e notório que, se perguntarmos a qualquer pessoa sobre o que ela mais deseja que a Administração Pública realize, especialmente nos períodos eleitorais, ela dirá que é melhorar o sistema de saúde. Mas não podemos nos negar a ver que, quando se debate diretamente com a população o orçamento do Município (a exemplo do orçamento participativo), a maioria dessas mesmas pessoas escolhe fazer o asfalto da sua rua, construir um estabelecimento cultural ou outra obra qualquer... Dificilmente, solicitará a construção de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), de uma Unidade de Saúde Especializada, de um Hospital ou de um serviço de saúde qualquer.

Quando ocorre de se solicitar a construção ou implantação de um serviço de saúde, infelizmente, na maioria das vezes, é por indução das equipes de saúde, como se essa obra fosse uma pauta de reivindicação dos trabalhadores. Certamente que não faltam indutores também para a opinião social sobre a escolha de investimentos em outras políticas como prioridade. 

Num outro ambiente, o das classes A, B e C, juntamente com parte da D, ter um Plano de Saúde é projeto prioritário individual. Por desconhecimento e incompreensão, também, essa população imagina o Plano de Saúde como um lugar onde todos os seus problemas de saúde e os da sua família fossem se resolver. Para esta parcela da população, que movimenta a maior parte da economia, a saúde pública não é o seu sonho de consumo porque ela desconhece o seu objeto e, em segundo lugar, porque a mídia não divulga quem são os verdadeiros usuários do SUS e, por isto, passa-se para a população a impressão de que o SUS é uma política social para as classes D e E, lugar este que ninguém quer frequentar.

Existe também a cultura clientelista ou individualista, na qual se espera que, quem governa, tem ou dá, por isto, acesso mais fácil aos serviços de saúde. Às vezes pensamos que tudo está perdido... Como se ninguém tivesse entendido nada... Como é que alguém tem a coragem de demandar que o ”seu” caso seja tratado com prioridade em detrimento dos critérios estabelecidos para todos e todas? Ou seja, quem tem condições de pautar e lutar pela saúde, luta pelo “seu” caso.

Existe ainda a livre circulação dos profissionais de saúde entre os dois sistemas de saúde (público e privado) que gera uma cumplicidade/promiscuidade, entre seus escritórios e papéis, nos quais boa parte do crédito público é “doado” ao usuário como vantagem privada (nas consultas particulares e nos Planos de Saúde), tais como os pedidos de exames e as indicações cirúrgicas do SUS sendo prescritas pelos hospitais e consultórios privados, sendo que a marcação de consultas e cirurgias do SUS, pelo SUS, encara filas intermináveis ao vivo e a cores ou nos computadores.

O Sistema Único de Saúde padece de um processo de construção tardio, no qual as demandas e necessidades da população se acumularam de tal modo que desconhecemos, salvo restritas experiências bem sucedidas, o seu pleno, universal e integral funcionamento, o que faz supor que seja, exclusivamente, utópico em sua concepção.

Por último ou primeiro (?) falta-lhe recursos. O desconhecimento e a incompreensão dos economistas e dos administradores do Poder Público atingem de morte o Sistema Único de Saúde do Brasil. Desconhecem o SUS, seus dilemas, seus sucessos e a necessidade de encurtar o caminho da sua implementação. Ao contrário, só pensam nele quando necessitam de algum tipo de atendimento em saúde. Ou para defenderem o corte de seus “gastos”.

A mídia nacional (grande imprensa), por interesses do mercado que sustenta seus comerciais e por desconhecimento e incompreensão do seu discurso próprio, retorna para a sociedade o informe do que há de pior e mais nefasto para a construção de uma política pública com a grandeza e a generosidade do SUS. Ou seja, a melhor notícia são suas mazelas. Quanto pior, melhor...

Portal Cebes: Quais os grandes desafios enfrentados nesse sentido nos municípios
?

Conceição Rezende: O SUS orienta, por seus princípios e diretrizes, a construção de um Estado de direito que se faz com o povo e para o povo. Foi gestado num momento duro do autoritarismo nacional. Assim, o movimento sanitário brasileiro, indignado com as condições sociais do Estado, concebeu o SUS com participação e respeito pela voz do outro, dentre tantos diferentes. Por isto, é inadmissível e quase incompreensível a definição de caminhos, processos, critérios, indicadores, índices, metas, recursos e políticas, sem debate e pactuação entre os gestores das diferentes esferas de governo, sem negociação com os trabalhadores do sistema, bem como sem a participação dos usuários e sem controle social. 

Nos últimos anos, o SUS avançou em relação à estruturação de suas redes de atenção e de cuidado integral. Falta-lhe alcançar a universalidade do povo brasileiro e a educação para e na saúde. Falta estrutura de gestão (conhecimento, profissionais necessários e suficientemente comprometidos, condições de trabalho e área física adequadas, equipamentos e instrumentos). Faltam recursos. O SUS necessita de 10% da receita corrente bruta da União o mais rápido possível e de 12% da receita dos estados, no mínimo! 

Os municípios já investem acima dos 15% previstos na Constituição Federal. Não há como fugir da criação de um sistema de comunicação e informação único e informatizado no país. É necessário que os governantes compreendam que o SUS é a mais importante política de inclusão social do Brasil. Inclui a todos e todas, conforme a necessidade de cada um!

Acompanhamos a implantação do SUS no Brasil e sabemos o quanto avançamos, mas falta muito e precisamos caminhar muito mais...

Portal Cebes: No início do ano o município de Betim ficou em primeiro lugar com a criação de uma mesa permanente de negociação com servidores da saúde. De que forma essas iniciativas melhoram as condições de trabalho e a valorização dos trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) e qual a importância dessas práticas de democratização das relações de trabalho e inovações na gestão do trabalho na saúde para o Sistema?


Conceição Rezende: Já falamos, em parte, sobre a importância da democracia na gestão do SUS. A participação é um princípio da gestão da saúde no Brasil. As Mesas de Negociação Permanente fazem parte das políticas de gestão do trabalho no SUS. É um sistema em implantação e temos várias experiências exitosas como a de Betim. Essas Mesas possuem estatuto próprio, composição paritária entre o gestor e as entidades sindicais do setor, pauta de negociação pactuada e calendário de reuniões e eventos pré-estabelecidos. 

Nesse espaço de convivência e pactuação é possível estabelecer uma relação amistosa e de confiança entre as partes, pela qual os dois lados respeitam o lugar ocupado por cada um e têm-se o entendimento da imprescimbilidade de ambos os lados na construção do SUS. 

Com esse processo, cessam as relações verticais e burocratizadas dentro do SUS e renovam-se a cada dia o respeito, a confiança, o compromisso e a certeza de dias melhores para o SUS e para os trabalhadores. Foi esse processo que registramos para participar do processo de premiação do Ministério da Saúde, em 2011, pelo qual recebemos, em fevereiro de 2012, o Prêmio do 1ª lugar.

Portal Cebes: Quais serão os maiores desafios dos novos gestores municipais de saúde, que serão eleitos este ano?
Conceição Rezende: O Ministério da Saúde vem construindo há algum tempo as redes regionalizadas de atenção integral à saúde que se encontram inacabadas e com graves problemas a serem solucionados. Além disso, a implantação das regras aprovadas pela Lei Complementar 141/2012 ocuparão espaços de reflexão e instituição de novos procedimentos de gestão. 

Essa construção conta com a participação dos atuais secretários municipais de saúde nas comissões bipartites e tripartites. Mais uma vez as prefeitas e os prefeitos eleitos indicarão “novos” secretários (ou não) que poderão dar continuidade aos processos iniciados ou, quem sabe, apresentarão melhores propostas para prosseguimento dos processos. É momento de esperança e de incertezas.

Os novos gestores municipais de saúde encontram-se diante de três desafios principais: o primeiro é assegurar a universalidade do acesso às ações de saúde em tempo aceitável, o segundo é assegurar a integralidade da atenção à saúde em um patamar de complexidade resolutivo para os problemas de seus munícipes e o terceiro é a certificação do atendimento com acolhimento humanizado e respeitoso aos usuários dos serviços e das unidades de saúde.

Outro grande desafio é como as prefeitas e os prefeitos eleitos responderão, em curto prazo, às promessas e compromissos assumidos em suas campanhas. Do contrário, o dia 1º de janeiro de 2013 será o início do processo de perda eleitoral dos futuros mandatários.

Conceição Rezende é psicóloga, especialista em Saúde Pública e em Direito Sanitário, candidata a vereadora em Betim – MG, Coordenadora do Setorial Nacional de Saúde do PT, ex-secretária Municipal de Saúde de Betim (1993/1996 e 2009/2012) e ex-assessora Técnica da Bancada do PT na Câmara dos Deputados (1999 a 2008).
Fonte: CEBES

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...