País empata com a Índia na segunda
pior posição entre 40 nações industrializadas, com apenas 0,9
profissional para cada mil habitantes
Quando o assunto é o investimento na
formação de enfermeiros, o Brasil possui a segunda pior posição entre os
países industrializados. Para cada mil habitantes, existe apenas 0,9
enfermeiro, taxa semelhante à da Índia, e à frente apenas do Chile. Isso
é o que revela estudo elaborado pela Organização e Cooperação para o
Desenvolvimento Econômico (OECD na sigla em inglês) com 40 países – os
34 membros da instituição e seis emergentes.
A oferta de
enfermeiros em relação à de médicos também coloca o país em último lugar
na pesquisa, com 0,5 enfermeiro para cada médico, mesmo índice dos
chilenos. A pesquisa, de 2009 e divulgada neste ano, leva em conta tanto
os profissionais com graduação quanto aqueles que atuam como técnicos e
auxiliares de enfermagem.
Para se ter um parâmetro, a Rússia, país
com nível de desenvolvimento semelhante ao brasileiro, possui 8,1
enfermeiros por mil habitantes, e 1,9 enfermeiro para cada médico. Já a
Índia e a China possuem índices um pouco acima, embora ainda baixos
(veja gráfico). No primeiro item, a campeã é a Islândia, com taxa de
15,3 enfermeiros por mil habitantes, e no segundo, a Irlanda, com 5
enfermeiros para cada médico.
Déficit preocupante
A
pesquisa da OECD reflete um déficit conhecido das associações e
conselhos que reúnem os profissionais de enfermagem no país. De acordo
com a presidente da seção paranaense da Associação Brasileira de
Enfermagem (Aben) e secretária de saúde de Carambeí, nos Campos
Gerais, Carmen Moura Santos, o Brasil necessitaria de pelo menos 350 mil
profissionais a mais.
A falta é mais sentida em cidades do
interior e nas regiões Norte e Nordeste, onde muitas vezes não há
enfermeiros 24 horas por dia nos hospitais, ou então um mesmo enfermeiro
assume mais de uma equipe ou é responsável por mais de uma unidade
básica de saúde, o que é proibido por lei. “A distribuição é muito
desigual, e em alguns locais esse índice [apresentado pela pesquisa]
pode ser ainda menor, o que impacta na qualidade do serviço”, diz a
enfermeira.
Pela lei, há diferenças entre enfermeiros, técnicos e
auxiliares de enfermagem. Apenas o primeiro pode prescrever cuidados e é
sempre o chefe da equipe, enquanto os demais podem executar os
serviços, sempre sob a supervisão do enfermeiro. Cada equipe deve ter um
enfermeiro, e deve haver sempre um profissional desta categoria à
disposição 24 horas por dia.
Cuidados
A
desigualdade na relação entre enfermeiros e médicos impacta
negativamente na saúde, de acordo com o membro do Conselho Federal de
Enfermagem (Cofen) Antônio Marcos Freire. “O médico é responsável pelo
diagnóstico e por indicar o tratamento, mas é o enfermeiro que prescreve
os cuidados e tem maior contato com o paciente. Logo, se estão em menor
número, essa parte fica comprometida.”
Freire dá um exemplo que
ilustra bem os problemas decorrentes dessa desproporcionalidade, que
envolve a hora de dar à luz. Geralmente, cabe ao médico fazer o parto,
mas é o enfermeiro o responsável por acompanhar a parturiente e ajudá-la
com procedimentos que aliviem a dor, como massagens, mudanças na
posição do leito e técnicas de respiração. Com o déficit, é comum que
muitas não tenham esse acompanhamento.
“O enfermeiro pode ajudar a
mulher nesse momento de ansiedade, ajudando-a a fazer a força
necessária e a economizar energia. Em casos em que ela é orientada de
forma incorreta ou nem é orientada, é comum que não tenha forças para
empurrar o bebê e acabe sendo necessária uma cesária, aumentando os
risco de morte materna”, diz Freire.
Preconceito é histórico
Historicamente,
a Enfermagem sempre foi vista como um ofício menor se comparado com a
Medicina, embora ambas tenham papeis igualmente importantes na
área de Saúde. “É uma questão de cultura. A Medicina é uma ciência
mais antiga, e o status social do médico sempre foi maior do que o do
enfermeiro. Isso começa a mudar, até porque é o enfermeiro que está 24
horas com o paciente, e as pessoas começam a valorizá-lo”, analisa a
coordenadora do Curso de Enfermagem da Faculdade Evangélica, Amarilis
Schiavon Paschoal.
Antônio Marcos Freire lembra que a
Enfermagem também sofreu preconceitos por ser historicamente uma
profissão feminina, já que o machismo quando essa ciência surgiu
considerava inferiores os ofícios ligados ao gênero. Quando escolheu
seguir a profissão, há 15 anos, ele sofreu resistência inclusive dos
pais. “Havia a ideia de que a Medicina era para os homens e a
Enfermagem para as mulheres, pela noção de subserviência que
havia entre as duas funções, da enfermeira servindo ao médico.” “As
pessoas sempre reclamam por mais médicos, pois elas querem consulta,
querem tratar, tomar remédios, mas o que faltam mesmo são mais
enfermeiros, que focam principalmente nos cuidados e na qualidade de
vida através da prevenção”, diz a presidente da Associação Brasileira
de Enfermagem no Paraná, Carmen Moura Santos.
Velhice abre mais vagas
Num
país com cada vez mais idosos, as oportunidades de trabalho para os
enfermeiros se multiplicam. Os brasileiros com mais de 60 anos somam
19,5 milhões, mas devem chegar a 64 milhões em 2050, refletindo na
oferta de postos de trabalho na área de cuidados domiciliares. Os filhos
serão em menor número, o que exigirá alguém com conhecimento técnico
para cuidar dessas pessoas em casa. Nesse momento entra em cena o
enfermeiro.
A professora do Curso de Enfermagem da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná e mestre em Educação Ana Rotilia
Erzinger explica que o enfermeiro pode atuar tanto na prevenção de
doenças quanto nos cuidados com o idoso mais debilitado. Mas não se deve
confundir o trabalho de enfermeiro com o de cuidador de idosos.
“Somente o primeiro pode realizar procedimentos como manuseio de sondas
e aplicação de injeções. O cuidador, geralmente um membro da família
sem formação específica, é responsável por auxiliar o idoso em
atividades da vida diária.”
A importância desse profissional em
países que envelhecem é visível pela demanda de outras “nações idosas”
que já recrutam enfermeiros no Brasil. Entre eles se sobressai o Canadá,
onde 27% da população será idosa em 2030. A cidade de Quebec oferece
curso de francês grátis e visto permanente para enfermeiros que queiram
trabalhar por lá. (VP)
Valorização
Hospitais disputam os profissionais
Quem
resolve seguir carreira na área de Enfermagem tem pela frente uma boa
gama de opções quanto à área de atuação. Em relação aos estágios de
formação, é possível optar pelos níveis médio e seguir a carrreira de
auxiliar de enfermagem ou técnico em enfermagem. Ou, ainda, concluir o
ensino superior e se formar enfermeiro profissional, chamado antigamente
de enfermeiro de alto padrão.
“O auxiliar é reponsável por
cuidar do paciente de menor complexidade, como aqueles que estão em
enfermarias, apartamentos ou suítes. Os técnicos, que estão numa
categoria acima dos auxiliares, podem cuidar dos que estão em UTIs ou
pronto-socorros. Ambos são formados em escolas de enfermagem e têm
formação téorica e prática”, explica a gerente de enfermagem do Hospital
Evangélico, Ana Cláudia Giffhorn.
Em relação ao enfermeiro, que
possui graduação em Enfermagem, é possível optar pelo cuidado direto com
o paciente, em ambiente hospitalar, instituições de longa permanência
(os antigos asilos) e empresas, ou então se especializar na área de
administração (coordenando ou gerenciando equipes), de educação (dando
aulas), pesquisa ou auditoria (uma espécie de avaliação sistemática do
atendimento prestado).
Em muitos hospitais, de acordo com a
enfermeira, o auxiliar ou técnico que opte pela graduação tem grandes
chances de ser promovido. Esse profissional é muito valorizado, por
iniciar a graduação – que proporciona o conhecimento científico – já com
a experiência obtida no dia-a-dia.
Por causa do déficit de
profissionais e da variedade de oportunidades, as instituições, em
especial hospitais, costumam “competir” por profissionais, de acordo com
Ana Cláudia. “A área é muito rica e sobram vagas. Isso permite que você
deixe currículo em vários hospitais, que sofrem com essa falta. Isso
permite escolher a melhor oferta em termos de condições de trabalho e
salário.”
A gerente afirma, no entanto, que a remuneração ainda é
um desafio e que, por isso, deve optar pela profissão quem realmente
tem vocação. “Não se pode dizer que você irá ficar rico. O retorno é
principalmente pessoal. Saber que você pode aliviar a dor de alguém e
fazer diferente para cada paciente. Isso é algo muito emocionante.”
Trabalho
Curitiba reduz jornada para 30 horas
A
partir de março, os enfermeiros que trabalham na rede municipal de
saúde passarão a cumprir uma jornada de 30 horas semanais, uma
reivindicação antiga da categoria e que atualmente é tema de projeto de
lei no Congresso Nacional. Hoje, a jornada é de 40 horas. A redução foi
aprovada em segundo turno pelos vereadores da capital no último dia 7,
após protestos dos servidores.
A professora da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná Ana Rotília Herzinger afirma que reduzir
a jornada ajuda a diminuir a probabilidade de erros cometidos por causa
do cansaço. Hoje, fala-se muito em “erro médico”, mas também é razoável
o número de erros de enfermagem, até porque o profissional passa mais
tempo com o paciente do que o médico.
“Mais tempo livre também
possibilita aos enfermeiros mais disposição para investir na formação
continuada e assim aumentar a renda. Isso contribui para que os
enfermeiros invistam mais na área de cuidados diretos com o paciente,
que hoje começa a perder espaço para a área de gestão, quando o
enfermeiro realiza apenas atividades de administração.” (VP)
Fonte: Gazeta do Povo- Vanessa Prateano